segunda-feira, 26 de junho de 2017

Aparecimento do poeta

Não é o poeta que cria a poesia
Mas, a poesia que finda o aparecimento do poeta
Ela não é representa-ação
Muita menos mera reprodução
Ela cria aquele que escreve, repete
De certa maneira o antecede
Como ausência que se presentifica
feito presente o aparecimento do poeta


terça-feira, 20 de junho de 2017

Escorri-mim

Nos últimos dias, escorri
Com a boca cheia de palavras
E o útero cheio de sangue
Me vi escorrer, perder, quebrar
Me vi em mil pedaços de mim,
Achei que fosse sumir, quis sumir
Desaparecer, não existir
Recebi um não, dois ou três
Fragmentei, estraçalhei, chorei
Escorri em lágrimas e em sangue
Senti dor, senti o vazio, o traço, o corte
Senti o não, a minha castração
Nos últimos dias, escorri
Escorri feito líquido sem forma, 
sem contorno, sem casa
Escorri pela vagina feito sangue
meu sangue


quinta-feira, 15 de junho de 2017

Sujeita

Ao olhar-te vejo a mim
reflexo dessa imagem que me escapa

Ao olhar-me vejo partes
desconhecidas conhecidas

Ao olhar sou olhada 
como inteira fragmentada 
sou dada, criada

Olhar que sustenta e divide
fazendo-me uma sujeita
um tanto assim barrada

quinta-feira, 8 de junho de 2017

Resto

vivemos do resto
do resto deixado por essa
operação quase matemática

o resto do corpo
o resto do beijo na memória
o resto da comida na geladeira
o resto de você que ficou em casa

hora outra acho restos
restos seus
uma meia, um casaco
um livro esquecido ou não
pode ter sido deixado

o resto não tem nome
não tem palavra
é o resto que sobe do bueiro
quando a rua alaga
o resto fecundo
que por ser resto
é apenas o que nos resta

sexta-feira, 2 de junho de 2017

Tudo de medo


medo de monstro
medo de escuro
medo do estranho
medo do ir
medo do vir
medo do novo
medo do velho
medo de mim
medo de você
medo de te querer
medo de não te querer mais
medo, medo, medo de tudo...
tenho medo
medo de tudo
medo até de não sentir mais medo
vou de um medo a outro, sentindo medo
vou e não fico
até que o medo vira 
só medo mesmo